O INIMIGO DE TODOS OS DIAS
Havia um homem que se queixava todas as noites da fadiga do dia.
– Qual é – perguntou-lhe um amigo – a causa de suas queixas? Que trabalho tão duro você faz que lhe aborrece tanto?
– Ah! É um trabalho a que todas as minhas forças não bastariam se não me viesse fortalecer a graça de Deus. Tenho dois falcões para alimentar, duas lebres para cuidar, dois gaviões para adestrar, um dragão para vencer, um leão a combater e um enfermo que cuidar.
– Que loucura!
– Não é loucura, meu amigo, o que digo é certo:
Os dois falcões são os meus olhos, que tenho que guardar com muito cuidado, para que não se detenham muito nas coisas deste mundo, porque assi
m me prejudicariam, arruinando a minha alma.
As duas lebres são meus pés, que tenho que guardar para que não se lancem apressadamente na senda do pecado e da maldade.
Os dois gaviões são minhas mãos, que tenho que sujeitar ao trabalho, dando-lhes sempre coisa que fazer para que não façam o mal, para desgraça de minha vida.
O dragão é a minha língua, que precisa de sempre estar refreada porque está cheia de peçonha mortal.
O leão é o meu coração, com o qual tenho que lutar constantemente, fazendo o possível para mantê-lo humilhado e contrito perante o Senhor.
O enfermo é meu corpo, que ora tem calor, ora frio, ora fome, ora sede e exige sempre um cuidado especial.
Diga-me, amigo, se tudo isso não é uma contínua fadiga.
– Oxalá – exclamou o outro – que todos levássemos este trabalho a sério e nos fatigássemos tanto contra o inimigo de todos os dias.
* J.R.C.
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