terça-feira, 27 de dezembro de 2016
O ENCONTRO DE JESUS COM NICODEMOS
QUEM NÃO NASCER DE NOVO NÃO PODE ENTRAR NO REINO DE DEUS
No início de seu evangelho, o apóstolo João conta duas histórias que, sem dúvida, acolhem todos na vida cristã. A primeira é a de Nico-demos, rabino judeu (João 3).
Preocupado com sua reputação, ele vai, escondido, falar com Jesus. Se os seus colegas rabinos soubessem de sua conversa com o mestre itinerante, de fama duvidosa e discurso profético irrefreável, vindo da cidade desprezada de Nazaré, na Galiléia, Nicodemos perderia a credibilidade.
Assim, ele foi procurar Jesus à noite. Ao que parece, não tinha assunto definido para tratar; queria apenas conhecer Jesus, e começou a conversa com um elogio:
"Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele"
(João 3:2).
Mas Jesus percebeu um interesse por trás dessas palavras, uma pergunta por fazer; Nicodemos estava procurando alguma coisa. Jesus colocou de lado os comentários preliminares e foi direto ao assunto; sondou o coração de Nicodemos e tratou do que viu ali:
"Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (3:3).
Então era por isso que Nicodemos estava lá: para saber como chegar ao reino de Deus, viver sob o governo de Deus, fazer parte da realidade de Deus. Que coisa estranha!
É estranho porque Nicodemos deveria ser perito nesse assunto. Por que, então, procurar Jesus furtivamente e conversar com ele às escondidas? Foi por humildade? É uma possibilidade plausível.
Os líderes que são sempre admirados, que respondem com grande competência e que, supostamente, vivem aquilo que pregam muitas vezes têm um sentimento intenso de dissonância:
"A pessoa que sou e a pessoa que os outros pensam que sou não são, nem de perto, iguais. Quanto mais me sobressaio como mestre em conhecimentos diversos, maior é a minha reputação e mais impostor me sinto. Minha vivência fica tão aquém de tudo o que sei! Quanto mais tempo vivo e mais conhecimento adquiro, maior o abismo entre o que sei e o que vivo. A situação piora a cada dia...".
Assim, é possível que essa inquietação profunda baseada numa humildade verdadeira tenha levado Nicodemos até Jesus naquela noite.
Ele não estava à procura de informações teológicas, mas de uma porta de entrada; não queria saber mais sobre o reino de Deus, queria um guia e amigo que lhe mostrasse essa porta e o conduzisse para dentro:
"Como posso entrar...?". Ou ele foi motivado apenas pela curiosidade?
A fim de manter sua influência, os líderes precisam estar sempre à frente na corrida, acompanhar as tendências, saber o que vende mais no mercado atual.
Naquele tempo, Jesus atraía uma atenção extraordinária sobre si. "Então, qual é a dele? Qual o seu segredo? Como ele faz isso?"
Nicodemos era competente em seu trabalho, mas não podia simplesmente descansar nos louros. O mundo passava por transformações rápidas.
Israel se encontrava num redemoinho cultural — educação grega e governo romano com tradições morais judaicas misturadas a seitas gnósticas, cultos de mistério, grupos terroristas e uma miscelânea de especuladores e fanáticos messiânicos.
Essa mistura mudava a cada semana. Para garantir a firmeza e a continuidade de sua liderança, Nicodemos precisava estar atento a qualquer mudança na direção dos ventos.
Jesus era a atração do momento, de modo que o rabino estava lá naquela noite para extrair alguma informação ou descobrir uma estratégia valiosa. Essa também é uma possibilidade plausível.
Mas o apóstolo João, narrador da história, não compartilha do nosso interesse em identificar o motivo que levou Nicodemos até Jesus.
Como autor, não demonstra nenhuma preocupação em determinar a razão do encontro. É uma história sobre Jesus, e não sobre Nicodemos.
Jesus não pergunta sobre os motivos de Nicodemos, e João não entra nos detalhes dessa questão.
Depois do prelúdio breve, Jesus toma a iniciativa e apresenta uma metáfora surpreendente, que cativa a atenção do seu interlocutor:
"Te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (3:3) e, na seqüência, antes que Nicodemos pudesse tomar fôlego, acrescenta outra metáfora, ainda mais estranha do que a primeira: "Te digo: Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus" (3:5).
Em aramaico, supostamente a língua que Jesus falava, e também no grego, a língua na qual o apóstolo João escreveu seu evangelho, usa-se uma palavra só para "vento", "fôlego" e "Espírito".
Pelo fato de essas línguas empregarem o mesmo termo para o movimento do ar causado pela contração dos pulmões, o deslocamento de ar provocado por mudanças barométricas e o movimento do Espírito vivificador do Deus vivo dentro de nós, era necessário um exercício de imaginação cada vez que o termo era usado.
Nesse caso, trata-se de uma referência à respiração, às condições do tempo ou a Deus? Mal fazemos a pergunta e João logo esclarece, colocando o literal e o metafórico lado a lado:
"O vento [pneuma] sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito [pneuma]" (3:8).
Nicodemos balança a cabeça. Não entende o que Jesus está dizendo. O homem entende das coisas da carne e Deus entende das coisas do Espírito. Para entender as coisas de Deus e entrar no seu REINO o homem precisa entrar na esfera espiritual, viver o sobrenatural e Nicodemos perito na teoria não queria isso na prática, portanto se retirou sem nada entender
escrito por Eugene Peterson
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