terça-feira, 27 de dezembro de 2016

JESUS, NICODEMOS E A MULHER SAMARITANA



JESUS, NICODEMOS E A MULHER SAMARITANA 

A história da mulher samaritana (João 4). A história de Nicodemos se passa a noite, bem avançada em horas, e da mulher samaritana se passa à plena luz do dia, junto ao poço de Jacó em Samaria. 

Jesus está sentado sozinho quando a mulher chega para pegar água. Jesus inicia o diálogo pedindo que ela lhe dê de beber. 

A mulher se surpreende com o simples fato de ser abordada por esse homem, esse judeu, pois os dois grupos étnicos estavam separados por séculos de animosidade religiosa. 

Além de se surpreender, será que ela também não fica cismada? Podemos sentir certa tensão no tom da pergunta: "Como, sendo tu judeu, pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?" (4:9). 

Será que desconfia do homem sentado junto ao poço? 

Tudo indica que essa mulher sofrida tem motivos de sobra para não confiar nele. 

Mais adiante na história, descobrimos que ela teve cinco maridos e que, no momento, vive com um sexto homem, com o qual não é casada. 

Não é difícil imaginar o contexto de rejeições subseqüentes, inúmeros fracassos acumulando, ano após ano, cicatrizes na mente e no corpo. Para ela, ser mulher é ser vítima. Estar perto de um homem é estar em perigo. 

O que esse desconhecido vai fazer em seguida, o que vai dizer? Ela mantém a guarda levantada. Ou é justamente o contrário? 

Talvez o que percebemos em sua pergunta não seja desconfiança, mas certa insinuação provocante. Pode estar à procura de outro homem. 

Provavelmente tenha usado os cinco maridos e o atual amante, cansado deles e esteja seduzindo mais um homem. 

Ou veja os homens como oportunidades de gratificação ou forma de conseguir poder e promoção, e quando eles não servem mais para o seu orgulho, ambição ou desejo, os descarta. 

É inteiramente possível que, ao ver Jesus, ela tenha começado a elaborar estratégias de sedução: "Mas que surpresa agradável! Vamos ver o que posso conseguir dele". 

Gostamos desses jogos, de preencher as lacunas, de adivinhar a realidade por trás das aparências, de saber da intimidade das pessoas. 

Jesus não demonstra interesse em usar subterfúgios, e João não se preocupa em explorar os motivos. 

Ele a aceita como ela se apresenta, sem fazer perguntas. 

Vemos que, esta história não é sobre a mulher, mas sobre Jesus. 

Depois do diálogo de introdução, Jesus começa a falar por enigmas: "Se conheceras o dom de Deus e quem é o que te pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva" (4:10). 

Não demora a ficar claro que, em sua conversa com a samaritana, Jesus emprega "água" de forma metafórica, como fez com "vento" para Nicodemos. 

A palavra "água", que inicialmente se referia à água tirada do poço com um balde, passa a ser usada para indicar algo completamente diferente, algo interno, "uma fonte a jorrar para a vida eterna" (4:14). 

A essa metáfora, então, é acrescentada a anterior, usada com Nicodemos no capítulo anterior no Evangelho de João, sobre vento: "Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade" (4:24). 

Mais uma vez, "espírito" é a palavra que liga nossa experiência sensorial de respiração e vento com a natureza e atividade de Deus. 

Quando a conversa está prestes a desandar e se transformar numa discussão sobre o local de adoração, as palavras de Jesus criam subitamente uma nova realidade, na qual Deus assume a posição central. 

A mulher entende. Ela faz a ligação entre o que sabe sobre o Messias e o que Jesus lhe diz, o que ele é para ela. 

A samaritana é convertida no mesmo instante. 

 O QUE MAIS IMPRESSIONA, quando a história de Nicodemos e desta mulher samaritana postas em paralelo, como o apóstolo João faz, é o fato de que o Espírito de Deus está no cerne da ação: a vitalidade de Deus, sua presença criadora, o fôlego soprado em nossa vida como ele o soprou em Adão, o fôlego que nos torna vivos de maneiras que a biologia não é capaz de controlar nem explicar. 

Notamos uma característica correspondente: ao serem consideradas em conjunto, as histórias sustentam a acessibilidade. 

Hoje, o uso do termo "espiritual" tem, muitas vezes, conotação infeliz — um traço de elitismo, de que apenas os escolhidos ou iniciados podem entendê-lo. 

Mas essas duas histórias negam isso inteiramente. A vida soprada por Deus é geral, totalmente acessível para o amplo espectro da condição humana. Somos acolhidos na vida e ponto final. Não há precondições.  

No caso de Nicodemos, Jesus fala do nascimento; no caso da mulher, fala de água. Todos temos experiência suficiente relacionada a essas duas palavras para saber a que se referem sem precisar de mais esclarecimentos. 

Todos sabemos o que é nascimento: o fato de estarmos aqui prova que nascemos. 

Todos sabemos o que é água: bebemos ou nos lavamos com ela várias vezes por dia. 

A metáfora comum às duas histórias sobre Nicodemos e a mulher samaritana, vento/fôlego, também é clara. 

Todos sabemos o que é vento ou fôlego: assopre em sua mão, respire fundo, olhe para as folhas movendo-se com a brisa. 

Além disso, encontramos as seguintes características: a primeira história é sobre um homem; a segunda, sobre uma mulher. A vida cristã não favorece nenhum dos sexos. 

A primeira história se desenrola numa cidade que é centro de sofisticação, educação e moda; a segunda, nos arredores de uma cidade pequena do interior. 

A geografia não exerce nenhuma influência em termos de percepção ou aptidão. 

Nicodemos é um membro respeitável da seita estritamente ortodoxa dos fariseus; a mulher de reputação duvidosa faz parte da seita desprezada dos samaritanos. 

Em se tratando de questões de espiritualidade, as origens étnicas, a identidade religiosa e o histórico moral não vêm ao caso. 

O nome do homem é citado; o da mulher, não. A reputação e a posição social não contam. Devemos considerar também que Nicodemos começa a conversa com Jesus fazendo uma declaração religiosa: "Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus". 

Jesus começa a conversa com a mulher pedindo um pouco de água, com uma frase que não parece nada religiosa. 

Tudo indica que, na vida cristã, não faz diferença quem começa, se é Jesus ou nós, e se o assunto é de cunho celestial ou terreno. 

Além disso, nas duas histórias, uma reputação corre perigo: Nicodemos põe em risco a sua ao ser visto com o Mestre galileu; Jesus arrisca a sua ao ser visto com a samaritana. 

Pode-se perceber que as duas partes colocam de lado as convenções e cruzam a linha da precaução; ambas se mostram dispostas a correr o risco de serem interpretadas equivocadamente. 

Quando nos aproximamos do cerne das coisas, não estamos lidando com resultados garantidos ou comportamentos convencionais. 

Temos, portanto: • Um homem e uma mulher. • Cidade e campo. • Alguém que faz parte do sistema; alguém que vive à margem dele. • Um homem respeitável e uma mulher de reputação duvidosa. • Um ortodoxo e uma herege. • Alguém que toma a iniciativa; alguém que deixa a iniciativa ser tomada. • Uma pessoa que tem nome e uma pessoa anônima. • A reputação humana em perigo; a reputação divina em perigo. 

 Ademais, nas duas conversas a palavra central é "espírito". Esse termo liga as diferenças e contrastes nos dois relatos, transformando-os em aspectos de uma só história. 

Nos dois diálogos, o "Espírito" se refere, em primeiro lugar, a Deus e somente de forma secundária ao homem e à mulher. Na primeira conversa, o Espírito dá à luz ("assim é todo o que é nascido do Espírito"); o Espírito é um agente, uma fonte, uma causa do nascimento que torna a pessoa capaz de "ver" e "entrar" (dois verbos usados nesse diálogo). 

Na segunda, Deus é Espírito; em decorrência disso, o adoramos em espírito e em verdade. 

É somente pelo fato de Deus ser Espírito que temos algo a dizer a respeito daquilo que fazemos ou deixamos de fazer. 

Por fim, devemos observar ainda que Jesus é a figura principal das duas histórias. 

Apesar de Nicodemos e a mulher samaritana darem o ensejo, é Jesus que fornece o conteúdo. 

Ele trabalha no centro de tudo aquilo ligado ao viver, o contexto mais amplo de todas as palavras e ações. 

Ele é muito mais ativo do que nós; é Jesus quem provê a energia. Jesus nos escolhe e a decisão de viver ou não no seu reino espiritual é nossa 

escrito por Eugene Peterson

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