O Último Dia De Vida
Naquela manhã,
sentiu vontade de dormir mais um pouco. Estava cansado porque na noite
anterior fora deitar muito tarde. Também não havia dormido bem. Teve um
sono agitado. Mas logo abandonou a idéia de ficar um pouco mais na cama e
se levantou, pensando na montanha de coisas que precisava fazer na
empresa. Lavou o rosto e fez a barba correndo, automaticamente.
Não
prestou atenção no rosto cansado nem nas olheiras escuras, resultado das
noites mal dormidas. Nem sequer percebeu um aglomerado de pelos
teimosos que escaparam da lâmina de barbear. "A vida é uma seqüência de
dias vazios que precisamos preencher", pensou enquanto jogava a roupa
por cima do corpo.
Engoliu o
café da manhã e saiu resmungando baixinho um "bom dia", sem convicção.
Desprezou os lábios da esposa, que se ofereciam para um beijo de
despedida. Não notou que os olhos dela ainda guardavam a doçura de
mulher apaixonada, mesmo depois de tantos anos de casamento. Não
entendia por que ela se queixava tanto da ausência dele e vivia
reivindicando mais tempo para ficarem juntos.
Ele estava
conseguindo manter o elevado padrão de vida da família, não estava? Isso
não bastava? Claro que não teve tempo para esquentar o carro nem sorrir
quando o cachorro, alegre, abanou o rabo.
Deu a partida e
acelerou. Ligou o rádio, que tocava uma canção antiga do Roberto Carlos,
"detalhes tão pequenos de nós dois... "Pensou que não tinha mais tempo
para curtir detalhes tão pequenos da vida.
Pegou o telefone
celular e ligou para sua filha. Sorriu quando soube que o netinho havia
dado os primeiros passos. Ficou sério quando a filha lembrou-o de que há
tempos ele não aparecia para ver o neto e o convidou para almoçar. Ele
relutou bastante: sabia que iria gostar muito de estar com o neto, mas
não podia, naquele dia, dar-se ao luxo de sair da empresa. Agradeceu o
convite, mas respondeu que seria impossível. Quem sabe no próximo final
de semana? Ela insistiu, disse que sentia muita saudade e que gostaria
de poder estar com ele na hora do almoço. Mas ele foi irredutível:
realmente, era impossível.
Chegou à empresa e mal cumprimentou as
pessoas. A agenda estava totalmente lotada, e era muito importante
começar logo a atender seus compromissos, pois tinha plena convicção de
que pessoas de valor não desperdiçam seu tempo com conversa fiada. No
que seria sua hora do almoço, pediu para a secretária trazer um
sanduíche e um refrigerante diet. O colesterol estava alto, precisava
fazer um check-up, mas isso ficaria para o mês seguinte. Começou a comer
enquanto lia alguns papéis que usaria na reunião da tarde.
Nem observou que tipo de lanche estava mastigando.
Enquanto
engolia relacionava os telefonemas que deveria dar, sentiu um pouco de
tontura, a vista embaçou. Lembrou-se do médico advertindo-o, alguns dias
antes, quando tivera os mesmos sintomas, de que estava na hora de fazer
um check-up. Mas ele logo concluiu que era um mal-estar passageiro.
Terminado
o "almoço", escovou os dentes e voltou à sua mesa. "A vida continua",
pensou. Mais papéis para ler, mais decisões a tomar, mais compromissos a
cumprir. Nem tudo saía como ele queria. Começou a gritar com o gerente,
exigindo que este cumprisse o prometido. Afinal, ele estava sendo
pressionado pela diretoria. Tinha de mostrar resultados. Será que o
gerente não conseguia entender isso?
Saiu para a reunião já meio
atrasado. Não esperou o elevador. Desceu as escadas pulando de dois em
dois degraus. Parecia que a garagem estava a quilômetros de distância,
encravada no miolo da terra, e não no subsolo do prédio.
Entrou
no carro, deu partida e, quando ia engatar a primeira marcha, sentiu de
novo o mal-estar. Agora havia uma dor forte no peito. O ar começou a
faltar... a dor foi aumentando... o carro desapareceu... os outros
carros também... Os pilares, as paredes, a porta, a claridade da rua, as
luzes do teto, tudo foi sumindo diante de seus olhos, ao mesmo tempo em
que surgiam cenas de um filme que ele conhecia bem. Era como se o
videocassete estivesse rodando em câmera lenta. Quadro a quadro, ele via
esposa, o netinho, a filha e, uma após outra, todas as pessoas que mais
gostava.
Por que mesmo não tinha ido almoçar com a filha e o
neto? O que a esposa tinha dito à porta de casa quando ele estava
saindo, hoje de manhã? Por que não foi pescar com os amigos no último
feriado? A dor no peito persistia, mas agora outra dor começava a
perturbá-lo: a do arrependimento. Ele não conseguia distinguir qual era a
mais forte, a da coronária entupida ou a de sua alma rasgando.
Escutou
o barulho de alguma coisa quebrando dentro de seu coração, e de seus
olhos escorreram lágrimas silenciosas. Queria viver, queria ter mais uma
chance, queria voltar para casa e beijar a esposa, abraçar a filha,
brincar com o neto... queria... queria... mas não deu tempo.
Como
está sua vida ? Qual o tempo que tem dedicado às coisas pequenas , mas
importantes , da vida ? E Deus , em que lugar você o coloca ? Será que
...?
Lembre-se , são poucas as pessoas que tem uma segunda e "nova oportunidade" de vida para mudar e ... Pense nisso .
Fonte: Palavra Que Funciona